18 de outubro de 2016

A campanha de Aníbal: estratégia e fatos antigos aplicados em jogos de guerra



Este texto foi inicialmente motivado por umas horas não dormidas numa manhã. Estava eu visualizando o que fazer e uma propaganda do History Channel apontava para um documentário de Aníbal Barca, um dos maiores generais de todos os tempos.

Pra quem não conhece, este foi um dos poucos generais que conseguiram quase anular o poderoso Império Romano.

Depois de umas leituras, trago este texto baseado nas batalhas de Aníbal, aplicando os fatos a jogos de guerra e estratégia em tempo real (Battlefield, Arma, Counter-Strike, StarCraft).



.: O inesperado pode funcionar bem até demais

Um dos maiores movimentos militares da história foi a rota pelos Alpes do exército de Cartago, rumando á Roma. Um movimento improvável, tanto pelos riscos naturais do local quanto do relativo desconhecimento geral. A surpresa geral foi evidente, e quase rendeu o fim do Império Romano.

Um exemplo prático em jogos: eis que um membro de um esquadrão específico em Battlefield consegue furar as linhas defensivas inimigas e simplesmente injetar tropas numa base inimiga, tornando ali um ponto comum de spawn e um ponto de partida de ofensivas. Esta tática muitas vezes aplicada por um movimento furtivo (stealth) pode render reviravoltas implacáveis.

Um exemplo em StarCraft: uma lenta e curiosa nave de transporte (dropship) terrana largando tranquilamente dezenas de unidades nos pontos de coleta de recursos de uma base zerg hostil desprotegida. 


.: Uma tática inusitada pode te levar à vitória mesmo em minoria

A Batalha de Canas é uma amostra de que estratégia é algo mandatório numa disputa. Aníbal com sua tática historicamente conhecida venceu os romanos estando em minoria (sendo esta batalha uma das mais importantes durante todos os embates entre estas nações).

Um ângulo de visão bem encaixado pode ser suficiente para um soldado derrubar um esquadrão inteiro, de forma que você fique invisível ao inimigo, mas eles sempre visíveis a você; isto vai desde um tanque numa trincheira até um sniper bem parado num teto remoto. Diversos shooters no mercado trazem uma deficiência de câmera que permite que você se posicione num ponto cego ao adversário, por exemplo.

Um bombardeio ou uma beacon de spawn pode mudar o jogo em Battlefield 4, uma granada de fumaça pode virar o jogo em CS:GO, uma base bem posicionada no mapa pode dar um fim no jogo de seu adversário em StarCraft.


.: Esteja ciente que seu adversário pode e provavelmente vai copiar o que você faz

Com o tempo os romanos começaram a usar as táticas do general de Cartago, afinal sofreram tantas derrotas para elas. A batalha de Zama, a que resultou no fim da ameaça, foi deveras interessante por conta de uma relativa repetição da tática de Aníbal em Canas.

Em qualquer jogo competitivo deve se ter muito cuidado com as táticas. Se você não tiver meios de variar suas ofensivas, você se torna previsível demais, fazendo com que suas ações sejam combatidas de forma dura.

Se você ficar acampado num corredor para matar vários alvos em um FPS por um certo tempo, seu adversário pode começar a fazer o mesmo e rebater de forma melhor. É possível ilustrar isso com diversas movimentações que costumam se tornar comuns em times de CS:GO, como o famigerado "pezinho" (o ato de um jogar ficar empilhado sobre outro para garantir um ponto de visão elevado) ou até mesmo padrões de lançamento de granadas.


.: Tecnologia superior é um trunfo enorme, se bem usada

O cerco romano a Siracusa era um movimento importante para frear as ofensivas de Aníbal, que alias se potencializaram depois de dominar esta cidade. A tecnologia de guerra da cidade surpreendeu os romanos, devastando de forma contundente diversas ofensivas. A tecnologia ali era obra de Arquimedes, sim, o grego da matemática.
Mas a desatenção dos presentes na cidade acabaram abrindo brechas, possibilitando assim uma conclusão vitoriosa dos romanos.

Podemos paralelizar isso muito bem em jogos do gênero RTS. Estar um passo à frente na tecnologia pode e provavelmente vai  te dar um poder acima dos adversários, porém se você não souber usá-lo de forma coerente e atenciosa às condições expostas a você, nada adiantará e tudo ruirá de forma trágica.

Um outro exemplo interessante: quando num round econômico uma equipe no CS:GO consegue sobrepujar a iniciativa de uma equipe adversária bem armada (a vantagem de equipamento dos adversários é evidente, mas sua tática, observação e experiência  fazem com que a grande vantagem de equipamentos se torne nula).


.: Liderança é um fator crítico para a vitória

Um dos maiores problemas romanos era o fato de alternar os nomes de seus líderes periodicamente. Liderança que muda muito pode gerar problemas gravíssimos. Muitas batalhas vencidas por Aníbal foram facilitadas por decisões ruins de diversos líderes romanos (por falta de experiência ou até mesmo por não respeitar a ameaça do jeito correto).

O líder em geral dita muitas posturas em táticas e ações, e isso vale pros games também.

Time com dois "caciques" ficam confusos, imagine você com uma equipe de um jogo competitivo que está fracionada em ações dispersas sem um mínimo de sintonia. A coordenação geral ajuda demais no sucesso.

Óbviamente nem toda equipe competitiva de games possuem um líder sólido in-game, mas possuem um bom técnico ou alguém que toma a frente pra poder motivar e ditar caminhos, e nisto creio que é importante não variar muito.


.: Comunicação é uma das coisas mais importantes a serem dominadas

Enquanto Aníbal possuia um sistema de comunicação bem falho, os romanos tinham um fluxo de informações bem fluido, e isto foi um trunfo pros romanos. Na história da humanidade sabemos como a comunicação muda tudo.

E óbviamente isto é aplicável em jogos cooperativos como um todo. Um time que se comunica de forma boa consegue se preparar melhor para qualquer ação, assim executando melhor qualquer ofensiva ou defesa. É algo complicado em filas competitivas individuais em diversos jogos, mas quando um time interage bem entre si a vitória se torna mais facilitada.

Quando você joga em simuladores militares mais detalhados como o Arma 3 a parte da comunicação se torna bem problemática e você sente como é complicado angariar informações pertinentes à uma ação crítica.

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Acho que estes pontos podem exemplificar muita coisa pra nós, mostrando que a própria história humana pode nos ensinar muito de como nos portar perante diversas situações. E pros jogos que envolvem táticas e relações humanas o nosso passado ilustra muita coisa em que podemos falhar e acertar.

Poderia exemplificar mais coisas com muitas outras ocorrência da história, mas por hora ficamos com essas.

Espero ter trazido algo que instigue nos jogadores um pensamento mais aberto quanto à estratégia em games como um todo e um pouco de interesse pela história do nosso mundo.


.: Referências

- Morte de Aemilius Paullus em Cana. Fazendo de herói um general derrotado (Clássica - Revista brasileira de estudos clássicos)
- Tradição militar ocidental clássica: a manobra envolvente nas batalhas de Gaugamela e Zama (História E-História)
- Aníbal (Wikipedia)
- Guia de Curiosidades Históricas Ed. 1, p.18~23 - On Line Editora
- Roma: Legado de um Império, Volume 1 - Tim Cornell e John Matthews, p.43~48 - Editora Del Prado